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A “Espanha eterna”

Posted by atrida em Terça-feira, Julho 28, 2009

Muita coisa muda com o tempo. A Espanha não.

Jornal “DESPERTADOR”, Elvas, 22 de Julho de 2009
ESTRANHO CONCEITO DE AMIZADE (UMA ESTRANHA HOMENAGEM)

O dia 11 de Julho de 2009 passou quase sem sobressaltos em Portugal. E, todavia, algo se passou que poderia ter deixado estupefacto qualquer cidadão mais atento. Em Olivença, foi oficialmente inaugurada uma estátua a Manuel Godoy, colocada numa sala da Torre de Menagem do Século XV ( Reinado de D. João II). Algumas declarações proferidas causam algum espanto… pelo menos, a um Português.
Importa dizer algo sobre quem foi Manuel Godoy, para que se percebam as considerações que sobre tal se irão tecer.
Assim, Godoy era o chefe do Governo espanhol no final do século XVIII. A sua mãe era portuguesa. Em 1793, as tropas portuguesas, ao abrigo duma aliança com Espanha, estavam a combater a Revolução Francesa no Rossilhão. O executivo espanhol não hesitou em tentar fazer a paz, sem avisar o seu aliado. Pela Paz de Basileia, Godoy conseguiu
este desiderato, passando a Espanha a ser uma aliada da França, e recebeu o título de Príncipe da Paz. Os
regimentos portugueses ficaram a “fazer a guerra sozinhos”. Tiveram de retirar (curiosamente, dois eram de Olivença).
Entre 1795 e 1801, Portugal tentou fazer a paz com a França Revolucionária, e Godoy foi-se oferecendo como “embaixador da Paz”, prometendo tudo a Portugal, e promovendo encontros diplomáticos, incluindo entre as casas reais dos dois Estados Ibéricos. Isto não o impediu de chefiar as tropas espanholas que, com a França como
instigadora, invadiram Portugal em 1801, tomando Olivença em 20 de Maio (Guerra das Laranjas). Sabe-se que os oliventinos ficaram desagradados com tal situação. Ofenderam os ocupantes, e muitos terão olhado para a Torre de Menagem, como símbolo do seu orgulho… que os tinha levado a abandonar a sua povoação em 1657, e até 1668,
durante uma ocupação espanhola durante a Guerra da Restauração.
Entre 1801 e 1811, houve protestos em Olivença. Godoy chegou a prometer tender a esses protestos, um dos quais ia no sentido da devolução da localidade à coroa portuguesa. Godoy que, por ter enredado a Espanha nos meandros da política francesa, transformando-a numa espécie de protectorado, foi derrubado por uma revolta popular contra ele e contra a França (o célebre 2 de Maio de 1808).
O resto e conhecido. Portugal considera que recuperou o direito a Olivença, principalmente após o Congresso de Viena de Áustria em 1815. Por outro lado, procedeu-se a uma castelhanização intensa em Olivença, que produziu muitos traumas e sofrimentos na população local.
Depois de 1974 e 1975, as relações entre Portugal e Espanha têm vindo a melhorar, evitando-se actos mais ou menos hostis. Busca-se a amizade e a cooperação, procuram-se laços históricos comuns. Por isso, o que se passou em 11 de Julho de 2009 parece ser uma contradição. Recorda-se o conquistador, coloca-se uma estátua sua numa sala da
portuguesíssima Torre de Menagem, e pronunciam-se discursos verdadeiramente inesperados. Afirma-se que “como
Godoy era pacense de nascimento e português pela parte da mãe, foi o artífice (…) de que Olivença voltasse a ser espanhola depois de 504 anos em poder de Portugal” (por que razão, então, durante a União Ibérica de 1580-1640 Madrid a manteve como portuguesa?). Fala-se também em incentivar Portugal a prosseguir com a construção do
TGV, e na necessidade de “ampliar” as relações com o País vizinho. Voltou-se a afirmar que Olivença figura nos arquivos da C.I.A. como um lugar potencialmente perigoso (o que não corresponde minimamente à verdade, como muito bem sabe quem tal proferiu), e, numa insinuação à Questão de Olivença, disse-se que “hoje, não teria sentido marcar fronteiras onde elas não existem”. Esta afirmação acaba por ser quase hilariante, já que Portuga não reconhece nenhuma fronteira diante de Olivença, e portanto parece querer-se dizer que Portugal nunca a deverá colocar, e que está a ser um pioneiro! Mas, claro, o sentido era bem outro.
Isto tudo foi dito por altos responsáveis da Junta da Extremadura e da Câmara de Olivença. Como se pode compreender toda esta cerimónia, ou homenagem, num quadro de um óptimo relacionamento Portugal-Espanha, e entre o Alentejo e a Extremadura espanhola, é algo que, penso, não é de fácil compreensão. Mas… enfim… cada País fará as homenagens que entender, consoante a sua leitura da História. Neste caso, decididamente, Portugal e Espanha frequentaram escolas diferentes.

E muitos portugueses perguntar-se-ão se o que outrora se dizia, como “a Espanha não respeita Portugal e no fundo só deseja a sua humilhação ou anexação”, embora decerto errado em democracia, não esconderia alguma coisa de verdade. Pela amizade entre Portugal e Espanha tudo deve ser feito. Dentro do respeito mútuo, pensam muitos. Mas, depois deste evento, muitos ficarão a pensar se “mútuo” não será uma ironia…
Uma última nota para a reacção do Estado Português. Ela simplesmente não existiu. Apenas, dois dias depois, a Ministra da Educação se deslocava a Mérida, onde se assinou um acordo para o Ensino do Português na Extremadura Espanhola. Com muitos elogios à amizade que a Junta da Extremadura revelava em relação a Portugal. Sobre o insólito gesto do dia 11, nem uma palavra…

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